Escola Comunitária Luiza Mahin: uma aula de resistência

Escola Comunitária Luiza Mahin aplica metodologia alternativa (Foto: Divulgação)
Com brilho no olhar, a pequena Ana Luiza Santos, 5 anos, exibe o cabelo crespo como um troféu – seu penteado predileto é o blackpower. A pequena entendeu que não precisa se parecer com a boneca Barbie para sorrir ao se olhar no espelho. “Ana fala ‘minha mãe, a gente é negra e linda’, com orgulho”, afirma a mãe, a doceira Daiana Hosana, 21.

Aluna da Escola Comunitária Luiza Mahin – construída, tijolo a tijolo, por nove mulheres que acreditaram no gene transformador da educação – Ana Luiza é apenas uma, das 272 crianças negras que, apesar da pouca idade, têm lições diárias sobre a importância do seu valor e negritude.

Ana Luiza, 5 anos, tem orgulho de sua negritude (Foto: Divulgação)
Ao contrário de Ana, a coordenadora da Associação dos Moradores de Santa Luzia, Maria de Lourdes Conceição, levou mais da metade da vida para compreender o reflexo do que via, ao se olhar no espelho. “Fui descobrir que sou negra já velha, aos 33 anos”, lembra a coordenadora da entidade responsável por fundar a escola comunitária. 

Orgulho - Aos 56 anos, Lourdes se orgulha do quanto mudou. “Hoje sei o meu lugar enquanto mulher negra e cidadã”, garante. Quando fundaram a Associação dos Moradores de Santa Luzia, no bairro do Uruguai, há mais de 25 anos, as “mulheres da laje” sentiram necessidade não só de oferecer a educação formal aplicada em instituições tradicionais, mas de fazer uma ponte construtiva entre as crianças, a história e o protagonismo do povo negro. 

A biblioteca recebeu o nome de Clementina de Jesus e as salas de aula exaltam figuras como o último líder do Quilombo dos Palmares, Zumbi dos Palmares, e sua esposa, Dandara. A coordenadora pedagógica, Sônia Dias, explica que o principal papel da escola é formar para além do entendimento das disciplinas tradicionais, sendo imprescindível adaptar o conteúdo teórico à realidade em que vivem as crianças, que têm um relatório individual de acompanhamento.

Os que têm dificuldade com leitura, por exemplo, começam com livros ilustrativos que despertem o interesse pela história. As crianças mais contidas têm experiências com atividades como teatro e dança. Para ensinar Matemática, não é uma regra que a professora inicie pelas contas de adição. “Não tem isso de começar primeiro pela soma, aqui nós aplicamos tudo à nossa realidade, somos pobres e o pobre, antes de tudo, precisa aprender a dividir”, diz a colaboradora Jamira Muniz.

Pais e associados contribuem com R$ 15,00 mensais (Foto: Divulgação)
Exemplo - O assessor da Secretaria de Políticas para Mulheres do Estado da Bahia, Ramon Bomfim, 28, leu o Estatuto da Criança e do Adolescente pela primeira vez aos 10 anos, quando era aluno da escola comunitária Luiza Mahin. Ele acredita que o contato prematuro com o entendimento de direitos e deveres contribuiu diretamente para sua formação enquanto cidadão.

Para ele, que participa de movimentos sociais organizados, foi um choque mudar para uma escola tradicional. “Elas não têm esse cuidado social, eles tratam os alunos como depósito de informação. Na Luiza, aprendi não só sobre a parte que me contempla, mas sobre o protagonismo das mulheres negras – lá a gente aprende muito sobre o respeito a elas. Lembrando que a escola existe graças a mulheres negras”, relata. Ramon afirmou, ainda, que deve à escola sua consciência política e social. 

A vertente social que a escola adota fez com que ela fosse reconhecida, em 2015, como parte da rede de “Escolas Transformadoras” do Brasil. Realizado pela ONG indiana Ashoka em vários países, o prêmio reconhece instituições que oferecem educação infantil e ajudam crianças e jovens a serem agentes de transformação. No Brasil, além da Luiza Mahin, só duas outras escolas do Nordeste conquistaram este prêmio.

Resistência - A origem da luta travada pelas mulheres da laje, como são conhecidas Aucélia Maria, Diva Paixão, Jamira Muniz, Jandaíra Bomfim, Maria de Fátima Sobrinho, Maria de Lourdes Conceição, Marilene Nascimento, Sônia Rodrigues e Tânia Figueiredo, tem forte relação com a história de resistência representada por Luiza Mahin, escrava africana que se destacou frente às revoltas no século 19, na Bahia. 

“Foi à base de muita insistência. Lembro que terminamos de bater a segunda laje e a estrutura caiu”, recorda a coordenadora da escola, Jandaíra Bomfim. Horas depois de ser finalizado, as mulheres comemoravam o feito comendo uma feijoada, quando o segundo andar desabou. Sem desanimar, elas reergueram o andar onde funciona o refeitório e as salas de reunião. 

A casinha, que há 25 anos, abrigava apenas a associação dos moradores, já reúne 14 cômodos, além de oito banheiros, distribuídos em dois andares. A escola, que no início sobrevivia da arrecadação de R$ 5 de cada associado, passou a contar com o apoio financeiro da ONG Visão Mundial. Atualmente, os dois mil associados contribuem com R$ 15 por mês e têm direito à educação infantil para os filhos. Somando os valores das contas de luz, água, internet e demais despesas, os gastos mensais ficam em torno de R$ 60 mil. 

As histórias de vidas, cruzadas desde o remanejamento das antigas palafitas do Uruguai, uniram as mulheres da laje. Elas sabiam que eram elas por elas. O sociólogo Bruno Vilas Boas Bispo explica que a solidariedade é um elemento cultural presente na história do Brasil e que as classes dominadas ou marginalizadas tendem a desenvolver esse aspecto.

 “O aprofundamento do capitalismo gera certa alienação e individualismo entre as pessoas. Esses movimentos eram mais recorrentes na década de 70, atualmente, a excepcionalidade se deve à presença do Estado, em pouca ou larga escala, nos âmbitos sociais” explica.

Por Tailane Araújo e Luíza Fabiane

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