Projeto de drenagem em rios divide ambientalistas e moradores do Bairro da Paz

Entorno do Rio Jaguaribe
 Com a coordenação e responsabilidade da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado (Conder), a obra orçada em R$ 273 milhões coloca em lados opostos os poderes públicos, defensores do formato original do curso hídrico dos rios no Bairro da Paz, que alagam nos tempos chuvosos, e moradores próximos de suas margens.

A intervenção no Jaguaribe segue a mesma linha de canalização de três afluentes que abastecem seu leito: os rios Mangabeira, Passa Vaca e Trobogy. O primeiro com intervenção prevista a cargo da Conder, enquanto os dois últimos já passam por obras de canalização executadas pela Prefeitura. Na foz do Jaguaribe, já é possível avistar as marcações onde serão implantadas as calhas de concreto nas margens. A canalização do Rio Trobogy está com 48% da obra concluída. No rio Passa Vaca, moradores, operários estão na fase de escavação. E no rio Mangabeira, ainda não há sinal de intervenção.

Alagamento causado pelas enchentes do rio Jaguaribe no Bairro da Paz
O principal argumento dos poderes públicos é de que a canalização dos rios tem por objetivo conter os alagamentos ao longo do curso dos corpos hídricos, que, historicamente, tiveram suas margens ocupadas desordenadamente por populações de baixa renda, principalmente moradores do Bairro da Paz.

Por outro lado, movimentos ambientalistas condenam a canalização dos rios, sobretudo na foz do Jaguaribe (que deságua na praia de mesmo nome), defendem a preservação dos ecossistemas hídricos, alegam prejuízos ambientais irreparáveis e clamam por saneamento para evitar poluição das águas.

Ambientalistas - Para manter o ecossistema do rio intacto, movimentos como a Associação de Moradores e Amigos de Jaguaribe, Viva o Parque de Pituaçu e SOS Vale Encantado têm somado forças na tentativa de reverter a decisão do governo estadual. "Os projetos vão na contramão das cidades sustentáveis", avalia Virgílio Machado, membro do SOS Vale Encantado. "Há um ecossistema bem delineado nessa região, com mar, rios, mata atlântica e mangue, que será alterado", acrescenta. “É crime e é proposital segundo todas as ONGs ambientalistas. Que o projeto do Rio Jaguaribe traga soluções de macrodrenagem em sintonia com as soluções referências, que funcionam, que são ecologicamente corretas. Não aceitaremos este projeto milionário para destruir o rio”, afirma Mem Costa, membro do conselho de moradores do Bairro da Paz.

Segundo a publicação "O Caminho das Águas em Salvador", na Bacia Hidrográfica do rio Jaguaribe existem importantes remanescentes de vegetação nativa, característicos do bioma Mata Atlântica. "Essa faixa verde […] serve como refúgio para muitas espécies animais", indica o livro. O mesmo texto ressalta que, na foz do rio Passa Vaca, onde as escavações encontram-se em estágio avançado, localiza-se o último remanescente de manguezal no meio urbano da Orla Atlântica de Salvador. "É um rio com importância marinha, pois serve de nascedouro e berçário de várias espécies", destaca o livro. Moradora, a bióloga Maira Azevedo sugere que, em vez de concretar as margens na foz no trecho da orla, o projeto deveria incluir a recomposição das matas ciliares. "É preciso preservar as áreas de vazão dos rios, assim como reflorestar suas margens", diz.

Casas que serão desapropriadas às margens do Jaguaribe
Moradores - Para a comerciante Geovana Santos, 46 anos, a canalização do rio Mangabeira é uma questão de sobrevivência. Há 25 anos, a família dela convive com as enchentes na rua Beira Rio, que fica no Bairro da Paz.

A casa de Marli está localizada sobre a adutora de água de abastecimento da cidade, às margens do rio, que, cercado de moradias, pede passagem quando a chuva cai forte. A mulher conta que a água suja invade as moradias precárias, junto com lixo jogado pela população, animais e doenças. "Não só eu, mas muitos moradores aqui já perderam muita coisa: colchão, sofá, rack, armário, guarda-roupa. A gente dá um duro danado. É muito sofrimento", lamenta. "Sem falar que a água é suja, traz lixo, cobras e ratos para nossas casas", completa.

O drama de viver na área de vazão dos rios aflige também moradores de áreas “nobres”, a exemplo da administradora Rosa Brito, 65 anos, que mora há quatro décadas no Village Piatã. Ela diz que vários moradores já tiveram prejuízos com as inundações do rio Jaguaribe, sobretudo na maré cheia. "Já chegamos ao ponto de ver carros carregados pela água. Todo mundo fica de sobreaviso quando chove. A gente torce para que a obra comece logo", anseia a moradora.

Condomínio em Cajazeiras onde os familiares em torno do rio vão morar
Desapropriação – Em novembro de 2016, no Programa Avançar, representantes da CONDER e OAS mostraram os projetos de desapropriação de moradores que ficam em torno do rio Jaguaribe que deve ter uma drenagem. As obras deveriam ter começado no início dezembro e os moradores deveriam ser encaminhados para apartamentos em Cajazeiras ou poderiam escolher pela indenização do seu imóvel. Os apartamentos serão pelo programa Minha Casa, Minha Vida do governo do estado e as famílias que optarem pelo programa não pagarão nenhuma taxa.

Conder - O diretor de obras estruturantes da Conder, Eduardo Costa, explica que a canalização dos afluentes teve como consequência a necessidade de igual intervenção no Jaguaribe, uma vez que o volume de água do rio principal deverá aumentar, assim como o risco de inundação. “Com a canalização do rio Trobogy, haverá um aumento da vazão no Jaguaribe. O mesmo ocorrerá quando a obra do rio Mangabeira estiver pronta”, explica. “Por isso, é necessário fazer o revestimento das margens, para suportar a contribuição dos afluentes”, completa.

Além disso, continua o gestor, o revestimento das margens garantirá a melhoria do escoamento das águas e controle das cheias. Silva garante que o projeto não prevê o tamponamento do Jaguaribe, como foi feito nos rios das Pedras (Imbuí), Seixos (Centenário) e Lucaia (Vasco da Gama). O diretor frisa que as obras têm componentes de responsabilidade social, já que, segundo dados da Conder, cerca de 400 mil pessoas são prejudicadas com as cheias. Em função do projeto, cerca de 300 famílias sairão das margens do Mangabeira para novas casas.

As intervenções ficaram paradas por três meses em 2017 por conta de uma ação judicial dos ambientalistas, entretanto a ação foi vencida e as obras já recomeçaram nos rios Jaguaribe e Mangabeira. Por enquanto, não tem data prevista para as desapropriações e nem para o início das indenizações.

Por Carlos Antonio e Sandro Batista       Fotos: Carlos Antonio

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