Assédios moral e sexual: as ameaças no ambiente de trabalho

Doutora pela Ufba, Salete Maria da Silva explica como são caracterizados os casos de assédio moral e sexual no ambiente de trabalho.


Por Pedro Sampaio

Não se define apenas com um simples conceito aquilo que pode ser considerado assédio. De modo geral, assédio é todo ou qualquer ato que vise humilhar, desqualificar ou constranger uma pessoa ou grupo de pessoas, independentemente do contexto em que esteja inserido. Na pesquisa realizada pelo site Vagas.com, em 2015, foi apontado que entre os 4.975 profissionais entrevistados, 52% afirmaram ter sido vítimas de assédio moral ou sexual no ambiente de trabalho. Entre as maiores vítimas estão as mulheres, representando 51,9% dos casos de assédio moral e 79,9% dos casos de assédio sexual.

Doutora em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo, pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), a professora Salete Maria da Silva também é advogada com atuação especial na área de defesa dos direitos das mulheres e da população LGBTI+. Salete respondeu algumas questões a respeito de como são caracterizados os casos de assédio moral e sexual, além de apresentar ações que podem ser tomadas para prevenção e conscientização dentro das empresas privadas e públicas.

O que e como pode ser caracterizado o assédio moral no ambiente de trabalho?

Não há uma definição unívoca. No contexto laboral, trata-se de uma espécie de violência psicológica desenvolvida no ambiente de trabalho e que vai afetando a saúde mental da pessoa, o seu desempenho profissional, além de contribuir para o aprofundamento das desigualdades e assimetrias sociais acima mencionadas. Muitas vezes é incentivada pela próprio cultural organizacional.

Existe algum meio de prevenção ao assédio? Se sim, qual?

Sim, o assédio pode ser prevenido mediante informação, e informação idônea, com dados, com reflexões, e não com meras especulações. É possível prevenir através de políticas planejadas para este fim, desenhadas a partir de um diagnóstico sério sobre o problema em cada local de trabalho. Isto pode gerar campanhas de conscientização e de monitoramento das atividades. Mas é preciso, antes de tudo, admitir o problema, falar dele, colocar ele em pauta, e não escamotear a realidade, fingir que ela não existe ou considerar um problema menor.

O assédio sexual está atrelado ao assédio moral? Quais órgãos devem ser acionados em casos de assédio sexual ou moral?

Assédio sexual pode ou não estar articulado com assédio moral, mas em alguns lugares o tema do assédio ainda é um tema tabu. Contudo, há casos em que assédio sexual precede o assédio moral, e este último passa a se manifestar após a vítima recusar ou resistir ao primeiro, passando a ser perseguida, constrangida e até chantageada. São outras as motivações para o assédio moral, sendo que o assédio sexual estará caracterizado por um único ato, já o moral requer que seja uma prática sistemática, repetitiva, prolongada e não um ato isolado.


Como diferenciar o assédio moral do assédio sexual? Existe alguma resolução penal para os casos de assédio cometidos? 

O assédio sexual visa obter vantagens ou favorecimento sexual, e já está tipificado como crime, desde 2001, através da Lei nº 10.224. Já o assédio moral pode objetivar a mudança de atitude do assediado, quanto a suas opiniões ou posições, inclusive ideológicas, pode visar que ele peça transferência ou demissão, ou tem como fito a prática da discriminação em si por considera-lo inferior ou um incômodo ao padrão da empresa ou da equipe no qual está inserido. Existem normas jurídicas de cunho administrativo em níveis estadual e municipal (SP, CE, MG, outros); mas em nível federal há projetos de Lei desde 2001. O PL 4742/2001, do deputado Marcos de Jesus (PL-PE), tramita há 18 anos e foi aprovado na Câmara recentemente. Se ele for aprovado, basta ir a uma delegacia prestar queixa/denúncia do crime, o que já pode ser feito com relação ao assédio sexual. Até lá, é possível processar alguém por assédio moral na justiça do trabalho ou na justiça comum para que esta pessoa possa indenizar a pessoa prejudicada, mas ainda não há prisões no Brasil em virtude de assédio moral porque ele ainda não é crime. Pode-se buscar o sindicato, advogado particular ou ONG que trata do assunto, delegacia do trabalho, ministério público do trabalho, entre outras.

Em caso de suspeita de assédio, a possível vítima deve utilizar de quais recursos para comprovar? É necessário provas físicas como e-mails, vídeos, áudios etc.?

Para denunciar, inclusive judicialmente, é fundamental a produção de provas. Reunir documentação, ser orientado por profissional do direito, arregimentar testemunhas, pode organizar um diário, onde deve constar a data, o fato, quem estava por perto, etc. Vale também comunicar o fato aos órgãos competentes como forma de ir registrando acontecimentos, como setor de recursos humanos, ouvidorias, delegacia regional do trabalho, ministério público do trabalho. Vale e-mail, vale qualquer tipo de prova por escrito, vale vídeos, áudios, etc., pois isto será objeto de análise posteriormente em juízo. Não aconselho gravação sem que a parte esteja sabendo, mas a gravação de conversa ou reunião da qual a pessoa é interlocutora não há problema, e mesmo uma gravação não autorizada, desde que a situação seja extrema, pode ser objeto de análise posterior em juízo.

O assédio no âmbito do trabalho ocorre apenas entre níveis hierárquicos diferentes como patrão-empregado?

Toda pessoa que sofre assédio é tida como vítima de assédio, agora o tipo de assédio é que varia. Diz-se que o assédio é vertical descendente quando parte do chefe ou superior hierárquico contra o(a) empregado(a). Já vertical ascendente, quando parte dos subordinados contra a pessoa que chefia, enquanto horizontal/paritário: entre colegas ou misto, se começar com o/a chefe e os colegas reproduzirem.

O nosso sistema político propõe ações e campanhas voltadas a diminuição e conscientização das pessoas em relação ao assédio? São suficientes ou falta uma política mais ativa e preventiva para estes casos?

O sistema político tem sido bastante lerdo na busca por responder à problemática do assédio moral. Tanto que desde o primeiro projeto de lei protocolado até os dias de hoje já se vão quase 20 anos e o assédio moral ainda não foi tipificado como crime. Não acredito em campanhas isoladas. Elas têm o seu papel, mas são tímidas, acanhadas em termos de transformação de cultural, de mudança de comportamento. Há que se ter uma política institucional. Não se muda comportamento sem se mudar mentalidade. O assédio moral é, antes de tudo, uma violência, e não se combate violência sem se evidenciar os males que ela causa e as implicações negativas disto no meio ambiente do trabalho e da sociedade de um modo geral.

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