Perfil: Márcio Lima, o guerreiro de todos os anjos

Homem, gay, militante da causa LGBTQI+, trabalhador, garçom, produtor. Estas são apenas algumas das várias facetas compatíveis com José Marcio Lima Reis, ou melhor, Marcio Lima – nome pelo qual atende e prefere ser chamado. Filho da ditadura militar do Brasil, hoje com 43 anos, sentiu e sente na pele as dificuldades encontradas em trabalhar com produção audiovisual na capital baiana. Assim como Jorge Amado e Zélia Gattai, sentados em frente as águas da praia do Rio Vermelho, Marcio narra sua história - entre um copo e outro de cerveja.


Por Pedro Sampaio

Nascido no Centro Histórico de Salvador, cresceu com sua mãe e seu sonho quando criança era ser cantor. Muito novo, foram morar no bairro Pau Miúdo. Desde cedo assumiu o posto de guerreiro e enfrentou a ignorância de sua própria mãe em relação a sua sexualidade. “Aos 14 anos minha história de vida começa a mudar. Assumi minha sexualidade para minha mãe e ela me colocou para fora de casa”, relembra Márcio.

Nas ruas, o objetivo era sobreviver. Dormindo nas escadas da estação da Lapa ou no Monumento a Jesus – O Salvador, na Barra, enfrentou a fome e a necessidade de um teto para passar a noite. “Fiquei muito tempo, um ou dois anos, comendo lixo. Tive que fazer algumas coisas para sobreviver, como sair com pessoas não muito bacanas e até vender meu corpo. Não era só para ter dinheiro, as vezes era apenas para ter um lugar onde tomar banho ou dormir”, comenta com muito incômodo e visivelmente desconfortável com o passado.


 A segunda parte de sua história começa com a entrada de “um anjo” em sua vida – momento em que a primeira cerveja é entregue a mesa e brindamos. A mudança ocorre quando ele conhece um “cara no Porto da Barra”, gerente de uma loja de eletrodomésticos, Jorge. “Ele me chamou para trabalhar nessa loja, ele disse ‘não, saia dessa vida, você vai trabalhar lá comigo’”. Com o tempo, passou a ser vendedor e em uma das vendas conheceu um outro “anjo” de sua história, Saulo, que trabalhava no meio artístico e atuava em um curso de teatro.

Marcio então se encontra os palcos de teatro – e logo descobre que seu lugar não é nos palcos, mas sim atrás das coxias, na produção. “Experimentei de tudo ali naquele negócio (risos) e descobri que não sou ator. Sou qualquer outra coisa que esteja atrás da cena”. Apesar da nova vida, algo que sempre existiu junto a Marcio foi a dificuldade. O teatro não dava o retorno financeiro necessário então precisou ocupar seu tempo com outras funções. “Comecei a trabalhar como garçom para ter grana e ia fazendo a arte por amor”. Mas algo “atrás da cena” gerava capital: a produção. “Produtor ganha dinheiro. É o produtor que vai correr atrás do dinheiro para realizar o espetáculo”.

Nesse mesmo período, entre 1993 e 96, Marcio viajou e conheceu alguns estados do país. Foi para Minas Gerais e lá ficou conhecido como um dos “mais odiados” – título que carrega com orgulho - da cidade de Alfenas, interior do estado. Fez parte do movimento gay de uma ONG local, além de ter colocado a Parada Gay nas ruas e ter gritado que “Alfenas é gay”.

Seu retorno a Salvador - quase arrastado por sua “anja”, Fabíola, também produtora - lhe trouxe esperança. Participou da minissérie em que ela estava produzindo. Recentemente, os dois produziram o documentário Balizando 2 de Julho. O filme aborda a temática LGBTQI+ numa das maiores festas populares de Salvador.

“Balizando, para mim é muito pessoal”, comenta. “Eu morava ao lado do Beco do Lugar Comum e sempre via os desfiles das balizas”. De início, um ponto para encontrar com um amigo. Com o tempo, se tornou um lugar de reunião entre amigos e amigas da comunidade LGBTQI+ para assistir ao desfile. “Quando voltei de SP, (durante o desfile) ouvi alguém dizer ‘precisam fazer um filme sobre isso’. Logo pensei ‘eu que comecei (a reunião), eu que vou fazer’”, lembra de sua determinação.

Sua motivação é a busca por novas experiências, independentemente das dificuldades, da falta de tempo ou do dinheiro, “o que quero é pensar nas próximas histórias”, sonha Marcio.

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