Cultura e transformação no Centro de Salvador: Teatro Gamboa Online

 Por Pedro Sampaio

Oficina Yogamboa (divulgação)

“Dentro de instantes iniciaremos a transmissão ao vivo. Sente-se, respire e desfrute desta experiência!”. Esta é a mensagem que o Teatro Gamboa Nova, localizado no Centro de Salvador, com seus 46 anos de história, adotou para acomodar o seu público em suas próprias casas com a sua nova ferramenta: o Teatro Gamboa Online. O público, que outrora se acomodava nas 60 cadeiras do teatro, hoje prepara algum cômodo da casa para assistir aos espetáculos.


A plataforma foi lançada no início de agosto, com uma programação vasta e diversificada. A inauguração contou com a presença do palhaço Tiziu, interpretado pelo ator e diretor João Lima, com o espetáculo Achados e Perdidos. Este foi o início de uma grade formada por oficinas, shows e bate-papos, tudo online.


Nenhuma das etapas que antecedem o momento da apresentação é presencial. Os espectadores podem ter acesso a toda agenda do teatro no site que leva o nome do projeto. A compra dos ingressos, com valores entre R$ 10 (meia) e R$ 20 (inteira), acontece também na página da web, assim como a própria apresentação.


O coordenador artístico do Gamboa, Rino Carvalho, explica que já houve um momento anterior a pandemia em que a transmissão online dos espetáculos foi pensada como forma de ampliar o teatro. “A gente queria ampliar as possibilidades do nosso espaço, mas até então não era uma prioridade. Até que chegou esse momento de pandemia”.


Rino conta que, mesmo com a grande concorrência virtual, o teatro tem atraído públicos novos e antigos. “Até agora, mais de mil pessoas já acessaram a plataforma, que contou com 69 eventos entre agosto e setembro. O interessante é que estamos conseguindo manter o público da casa, aquelas pessoas que conhecemos pessoalmente, e agregar novas”, revela o coordenador.


“Tivemos acessos do Capão a Hong Kong, de Lauro de Freitas a Londres, de Fortaleza ao Texas. De lugares como o Rio de Janeiro, São Paulo, Sergipe, Florianópolis, EUA, França, Alemanha, etc. Isso antes era inviável porque é um público que não viria ao Gamboa se não fosse por turismo”, diz.


Novas experiências


Assim como sua programação, o acesso às apresentações do Gamboa também foi ampliado. Para a fisioterapeuta Letícia Falleiro, 40, uma das principais vantagens da iniciativa é não precisar depender do transporte público para ir ao teatro. “Numa cidade como Salvador, que é difícil se deslocar, ir numa peça às 21h se torna uma tarefa difícil”, avalia a moradora de Itapuã. Natural de Porto Alegre, mas vivendo há 11 anos na capital baiana, Letícia indica que o “não fazer desagrado” com o artista caso queira deixar a apresentação também é positivo, como conta da sua experiência: “Como eu estava em casa, eu poderia desligar e assistir outra coisa. E foi isso que eu fiz (risos)”.


Por outro lado, Letícia aponta como desvantagem a necessidade de adaptação, ou a falta dela. Ela acredita que para o teatro online ser atrativo, mudanças no registro das imagens e no jogo das câmeras precisam ocorrer. “O trabalho do ator se aproximará ao formato da TV e cinema”.


O formato adotado pelo Gamboa não permite interação entre artista e público, diferentemente das lives nas redes sociais. O público assiste ao espetáculo sem que o artista saiba, assim como o artista não sabe se têm alguém assistindo. Para Rino Carvalho, a proposta é “ser o mais fidedigno ao evento que está ocorrendo”.


“Nós assistimos os eventos no escuro, sem tanta interferência, a não ser o riso, o aplauso ou quando solicitados a participar. Fora isso a gente nem é visto, só sentido pelo artista. E isso é impossível capturar sendo uma filmagem”, explica Rino.


Yoga digital


Um exemplo da variedade das apresentações da plataforma Gamboa Online é a Oficina Yogamboa, ministrada pela instrutora e culinarista natural Juli de Matos, 42, que precisou adaptar os encontros que ocorriam presencialmente desde 2017 para um formato de ensino digital.


Juli explica que, inicialmente, a proposta da oficina era “oferecer aos funcionários do teatro a prática de Yoga como ginástica laboral” e também para o público externo. No entanto, em 2019 ela precisou se afastar das aulas de Yoga e se dedicar ao seu empreendimento de alimentos naturais, a Arin Alimentos. Com isso, ela já havia pensado em ministrar digitalmente, mas nunca imaginou que “viria a pandemia e que passaria a dar aulas dessa forma”.


“Confesso que no começo achei muito estranho, especialmente o fato de falar para uma câmera (risos). Mas isso foi se diluindo e percebi aí algo possível”, diz Juli sobre o começo das atividades online.


Para o publicitário de 29 anos, Philip Pinto, as aulas na plataforma online possibilitaram a continuidade da prática do Yoga. O morador de Suzano (SP) teve contato com o Yogamboa em 2019, quando morava na capital baiana, enquanto procurava algum lugar para continuar com as aulas.


“Eu já faço Yoga há uns 3 anos. Assim que fui para Salvador eu procurei algum lugar legal para fazer e encontrei a Juli”, explica.


A oficina digital ocorre todas as quartas-feiras, às 13h, e o teatro disponibiliza o conteúdo, que é gravado, para os praticantes realizarem as atividades ao longo da semana, até a próxima apresentação. Philip conta que nas aulas digitais Juli “sempre lembra de respeitar o seu limite”.


O publicitário lembra que a localização do teatro é “privilegiada” e que a vista para a Baía de Todos os Santos relaxa e auxilia no momento de concentração. A distância, por sua vez, atrapalha essa experiência. Ao fim das aulas, Juli “ajuda” a matar a saudade.


“No fundo do palco a gente consegue ver aquele mar todo. É bom para o momento de calma e relaxamento. No final da transmissão, Juli geralmente abre a cortina e você consegue ter aquela visão completa”.


O Teatro Gamboa, próximo do seu quinquagésimo aniversário, traz uma proposta diferente e ousada, mas fundamental para a inovação cultural baiana. Dure o quanto precisar, mas a cultura encontrará sempre alguma forma de se propagar, mesmo que seja sem sair de casa.


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