Entrevista: "A gente precisa do Setembro Amarelo na mesa do bar e na sala de aula", diz Amanda Souza

 Por Vagner Ferreira


Foto: Divulgação


O Setembro Amarelo é uma campanha mobilizadora realizada anualmente com objetivo de alertar a população para os riscos que podem levar ao suicídio e as principais prevenções para o combate. A psicóloga e escritora Amanda Souza acredita no movimento como um avanço, mas ressalta a importância em abranger a temática ao longo do ano. Para ela, o diálogo é essencial e a procura por um profissional é imprescindível.


O Setembro Amarelo foi pensado e elaborado pelo Centro de Valorização da Vida (CVV), Conselho Federal de Medicina (CFM) e Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Para você, qual a importância deste movimento?

Acho importante por duas principais razões. Primeiro porque insere a temática no contexto das instituições de saúde e no contato direto com os profissionais - e isso permite uma aproximação a nível científico e assistencial, bem como em termos de compreensão social e filosófica sobre a temática que é estigmatizada e minimizada a ponto de não consideramos como uma pauta de saúde e em específico de saúde pública. Outro ponto é o alcance social e a aproximação das pessoas, da comunidade, dos usuários. O suicídio é muito estigmatizado, mas ele é uma realidade gritante. Nós não temos acesso real à quantidade de suicídios concretizados porque há falhas sérias no processo de notificação. Isso significa que o nível de sofrimento psíquico e emocional é intenso.


Há uma discussão na ética Jornalística acerca de noticias sobre suicídio, pois podem levar a prática ou incentivar pessoas ao ato. Como a Psicologia avalia esse comportamento? Qual abordagem é mais adequada para falar sobre o tema?

Existe uma discussão na literatura sobre o que se chama Efeito de Werther ou efeito de imitação, que coloca em questão o potencial de influência de eventos mobilizadores sobre pessoas de algum modo submetidas aos mesmos. No caso do suicídio, um tema que tem forte apelo social pelo estigma, pela compreensão limitada, pelos aspectos religiosos, muitas vezes associados ao teor obscuro que daí se propaga, pode ficar em evidência. O fato é que, por imitação ou não, falar sobre suicídio pode ativar o que chamamos de gatilhos. Gatilhos são estímulos que têm potencial de provocar reações mobilizadoras por estarem associados à construção subjetiva que as pessoas fazem de experiências. Por isso tendem a inserir o sujeito em uma série de movimentações psíquicas geradoras de sentimento. A questão principal é o como falar. Não necessariamente falar sobre suicídio significa estimulá-lo, mas permitem que as pessoas sejam acolhidas e validadas e promove um espaço onde se aceita a expressão de sentimentos e pensamentos socialmente reprimidos.


Segundo dados da CVV, uma pessoa se suicida a cada 40 segundos. Com isso, o Setembro Amarelo surgiu com a proposta de dar visibilidade e apoios emocionais as vitimam que sofrem de doenças/transtornos mentais e psicológicos. Você acredita que o assunto ainda seja um tabu?

Sim, acredito. Apesar de ver avanços em relação à compreensão do suicídio como um fenômeno multifacetado, de se conceber que o sofrimento psicológico tem implicações sérias, ainda associamos o suicídio ao demérito pessoal. Responsabiliza-se muito o sujeito em detrimento do contexto em que ele se insere, de como isso impacta as decisões pessoais. Nossa compreensão ainda é pobre e rasa no sentido de entender o fenômeno, e com isso respeitar o processo. Ser um tabu faz com que a gente não saiba como lidar da maneira mais apropriada e isso é um problema sério já que o manejo precisa ser adequado.

De que forma o tabu, o silêncio, o medo de falar e o preconceito atrapalham na prevenção e o que fazer para prevenir que as pessoas tirem a própria vida?

Isso tudo atrapalha a prevenção justamente porque nos tira a possibilidade de usar ferramentas no sentido de suprir as demandas associadas ao suicídio e o que se associa a ele. Se a gente não fala, ou se a seguimos imersos em um tabu, fica difícil regionalizar alternativas e pensar em estratégias que contemplem as necessidades da comunidade, por exemplo. Porque existem linhas gerais em que podemos falar e tratar do assunto, mas na prática, especialmente a prática em saúde, exige que exista um foco onde seja possível se debruçar e pensar em linhas de ação. A prevenção exige ações de cuidado e valorização à vida. Ações no sentido de resgatar o sentido de vida, os projetos de vida, o cuidado responsável com a saúde mental das pessoas. Os adoecimentos psíquicos tendem a ser silenciados e minimizados. É importante trabalhar do início, estimulando o autocuidado, a autopercepcao, a tomada de consciência para as repercussões internas das experiências que chegam.


O seu primeiro livro “Digna de ser amada”, tratará sobre a relação com o corpo, beleza e autoestima, fatores que podem implicar na depressão e, consequentemente, pensamentos suicidas. De que maneira você acredita estar ajudando pessoas que passam por situações semelhantes a essa?

Acho que principalmente pela reflexão que proponho sobre o modo como a gente tende a se perceber. As cobranças sociais favorecem uma autopercepcao negativa e insuficiente, e os anos de história faz com que nossas ideias sejam cristalizadas. Ponderar essas ideias e flexibilizar o que pensamos é importante pra que a gente se paute mais na realidade do que apenas na construção interna que fazemos sobre os fatos. No meu livro eu trago o impacto que a percepção distorcida, a insatisfação corporal, o apelo social a manutenção de um ideal inalcançável de beleza traz para o cotidiano, sobretudo das mulheres. Isso é muito sério, porque os níveis de transtorno alimentar só aumentam e eles com frequência vêm acompanhados de outras comorbidades, como depressão, ansiedade e abuso de substâncias.


Você, profissional em psicologia, já pensou em suicídio ou passou por algum problema psíquico? Se sim, como fez para se livrar e qual conselho tem para quem passa por situações como essa?

Sim, já pensei em suicídio. Sim, passo por problemas psíquicos e estou no meu quarto processo terapêutico. Não tem receita pra dizer o que funciona ou não, mas é sempre importante fortalecer os recursos de enfrentamento, principalmente o suporte social, e também a busca por ajuda especializada. O amparo emocional é fundamental mas não dispensa ajuda profissional. A gente não se livra simplesmente dos sofrimentos emocionais, a gente os transforma em potência e elabora novos sentidos.

Como identificar quando alguém precisa de ajuda?

Mudança de comportamento, retraimento, isolamento social, alteração significativa na aparência, oscilação de humor, pensamento e discurso são alguns sinais que podem indicar que as coisas não vão bem. Eventos adversos ou traumáticos que a pessoa vivencia ou que pessoas significativas pra ela vivenciaram perdas, entre outros. O relato da pessoa geralmente desperta a atenção. As pessoas procuram ajuda direta ou indiretamente.

Qual alerta para que esse assunto não seja apenas um slogan, "piada" ou card de modismo?

Saúde mental importa. Acho que um alerta pode ser pensar que não existe ser humano dissociado do aspecto psicológico. Não dá pra existir sem ser afetado psicologicamente. Por isso as experiências psis precisam ser integradas como parte constituinte definitiva do que é ser humano, do que é ser sujeito de desejo. O que acontece ao nosso redor acontece simultaneamente na esfera psi, por isso a importância dessa pauta. A gente precisa do Setembro amarelo na mesa do bar e na sala de aula. No consultório do dentista e no semáforo da esquina. A gente precisa levar a reflexão pra PRÁTICA pq assim a gente consegue transformar as situações. Senão ficamos só na ruminação. E por isso é tão mais importante levar essa ideia para o coletivo, para dia a dia, para quem tá ali pegando ônibus, comendo marmita, esperando na fila do banco.


Deseja acrescentar algo, algum conselho, frase de encorajamento?

Acrescento a música Infinita Highway, da banda Engenheiros do Havai. Essa canção chega como um convite à busca de sentido, um apelo ao trilhar dos caminhos, um incentivo a seguir a estrada e aproveitar o que ela oferece. Chega como sopro. Leve, fluido, suave, que chega tão devagar, mas que traz um relaxamento. O sofrimento se acomoda. Ele existe bruto e é real, mas não é permanente, não é definitivo porque a estrada segue seu rumo e a gente segue junto com ela. O suicídio está predominantemente ligado a desesperança de si, do mundo e do futuro e a uma ideia rígida de que não há mais saída. Mas sim, há saída. Existe saída. Existe mais vida para além do sofrimento, por maior que ele seja. O sofrimento é parte do que acontece, não é tudo. Por isso acho que essa música finaliza esse assunto e essa conversa.

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