Escritores baianos aproveitam quarentena para escrever livros

Apesar das circunstâncias, período de isolamento social se tornou uma oportunidade para o surgimento de novos livros.

Foto: Divulgação


Por Vagner Ferreira


Em tempos de pandemia, a literatura se tornou um dos principais alentos na compreensão da realidade. Em contrapondo à atual crise do mercado e de políticas do livro, que tem como consequência o fechamento de bibliotecas e livrarias conceituadas - como é o caso da Saraiva, que encerrou todas as unidades em Salvador -, ou ainda, o valor de taxas tributárias que desejam adicionar acima do valor das obras, escritores baianos encontraram durante o período de isolamento social, no tempo livre, a oportunidade de usar o ócio criativo para descrever sentimentos ou viajar para outros mundos sem sair de casa.

Como exemplo, o livro Zéfiro, escrito pelo baiano Fábio Shiva, surgiu durante a quarentena, mas ainda está sem data de lançamento. A trama é de suspense e conta a história do policial Bruno Zéfiro, que trabalha na delegacia de Itapuã, aqui em Salvador.

"Eu estava relendo a tragédia grega Édipo Rei de Sófoclese no dia em que terminei de ler, estava passando de madrugada um filme que eu amo, A Mosca, de Cronenberg. Daí, percebi uma ponte entre essas duas histórias, que são tragédias. Uma mostra uma figura histórica, que é o rei Édipo, que salvou a cidade de Tebas, a outra fala sobre o cientista Seth Brundle, que queria criar uma invenção revolucionária para ajudar a humanidade. Do encontro dessas duas histórias, eu quis escrever a minha", descreve Fábio.

No início da pandemia, o escritor relata que teve dificuldade na escrita e lembra que sentiu bloqueio mental e criativo. Em meio a dúvidas e incertezas sobre o novo coronavírus, ele conta que a ficção estava difícil de concorrer com a realidade.

"Quando começou o isolamento, cada um em sua casa, fui me sentindo tão inútil, tão sem merecimento, demorou para cair a ficha. Eu percebia que não estava ajudando as pessoas de alguma forma, entende? Bateu uma depressão violenta. Mas, graças a Deus, já identifiquei e me livrei através da música, da literatura e das artes", lembra o baiano.

Suspense da vida real 

Para a escritora Milena D'Anunciação, escrever já é um processo de isolamento social, independentemente da pandemia. Ela vê, no entanto, a prática como sinônimo de liberdade. Na quarentena, aproveitou o tempo que tinha disponível para escrever uma ficção da vida realcomo gosta de chamar, que ainda está sem título definido.

Seu livro retrata a história de um amor abusivo, inspirado em uma colega do trabalho. A escritora traz também um alerta sobre o aumento dos casos de assédio sexual e psicológico, além do valor de uma amizade, o empoderamento e os desafios das mulheres em dar a volta por cima e se sentirem livres.

"Eu já era sozinha, não tinha amigos e era taxada como uma pessoa sonhadora. Comecei a escrever a história como se fosse eu. Os personagens têm nomes diferentes, mas com meus sentimentos e sentimentos dos meus amigos. E minhas histórias nunca têm títulos, preferi optar por deixar sem título".

Milena é uma das pessoas preocupadas em colaborar para o avanço da leitura no país. Um dos passatempos preferidos era ficar o dia inteiro em livrarias da cidade. Contudo, enxerga a crise com indignação: “Me dói saber que a Saraiva fechou, que a (Livraria) Cultura vai fechar, que as pessoas não são incentivadas à leitura”.

Na primeira edição do seu livro, a personagem principal terá as primeiras impressões com um homem, que o idealiza como o amor de sua vida. Entretanto, mal imagina que viverá um relacionamento tóxico. Já na segunda edição, mostrará a superação desse relacionamento e o surgimento de uma grande amizade, que irá apoiá-la a procurar ajuda e voltar a ter ânimo para viver.

Lançamento Virtual

O livro de poemas Velas ao Vento, da escritora e poetisa baiana Rita Queiroz, aconteceria no Goethe-Institutno início do ano, em uma parceria dela com a Editora Penalux. No entanto, devido aos decretos estaduais e municipais referentes ao fechamento de espaços públicos que gerassem aglomeração, ela acabou optando por fazer o primeiro lançamento virtual, que ocorreu em maio, por meio das redes sociais.

A dinâmica do lançamento se deu por divisão de tela entre a autora e seus convidados, que também contribuíram com o livro no prefácio, posfácio, nas críticas e nas ilustrações. O público pôde interagir com eles por meio do chat, com perguntas que foram respondidas ao vivo. “No início, a gente estranhou um pouco. Depois eu fui me adaptando, metendo as caras, se não ficaria para trás. E ninguém quer ficar para trás”. 

Escritora em meio à crise, Rita critica as taxas tributárias que desejam colocar em cima do valor dos livros. “Estamos vivendo uma pandemia literária e cultural”, contesta. “E isso nos afeta muito, porque o país já tem poucos leitores. Se ainda tiver uma taxação nos livros, vai proibir ainda mais de ter acesso. Livro é informação. Quanto menos informar, melhor para esse tipo de política que a gente vive”, continua.

A escritora já realizou outros lançamentos virtuais em seguida. Após Velas ao Vento, lançou três livros infanto-juvenis que foram escritos no isolamento social: Bordados de Sonho, Grimalda: a Lagartixa Empoderada e As Artes de Vavalô, os três últimos estão disponíveis na Amazon com a versão de e-books em português, inglês e espanhol.

Ela conclui: “As pandemias, as tragédias, acontecem para a gente se reinventar e renascer das cinzas, sobreviver, inovar. Quando puder ter o lançamento físico, quero fazer, porque nada paga o calor humano, nada paga estar com as pessoas perguntando e participando”.

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